Estivemos à conversa com Jan Jelinek na casa-de-banho do Número Festival, e descobrimos que para além de um magnífico entertainer, é também uma pessoa extremamente acessível ou, se preferirem, um gajo impecável. Desculpem-me a seca, mas acabei a falar quase tanto como ele.

C(olectivo): Deixa-me começar por te dizer que o teu act foi simplesmente genial. Aliás, muita gente que ouvi comentar pelos corredores pensa o mesmo. Estavas à espera de uma reacção tão positiva do público lisboeta?

J(an): Bom, é a primeira vez que venho a Portugal, e não fazia ideia do que iria encontrar. Mas não estava preocupado, só queria chegar e mostrar o meu som. As reacções logo se veriam. Mas estou muito satisfeito pelo que me dizes, a minha percepção foi de que a sala estava um pouco vazia mas os que lá estavam gostaram. Não me interessa a quantidade de gente que assiste aos meus sets, prefiro nivelar o meu sucesso pela aceitação que o meu show tem nos presentes, e assim sendo, fico feliz pelo que me dizes.

C: Mas achas que a receptividade aqui é diferente de, por exemplo, Berlim ou Tóquio? Costumas ter casa cheia quando actuas nesses sítios?

J: Não, de maneira nenhuma! A crença de que Berlim é um excelente sítio para se passar electro não passa de um mito. Do pouco que pude ver, Lisboa parece-me igual a qualquer outra cidade onde já tenha actuado... Nunca tive salas cheias, excepto quando passo som no meu quarto para os amigos (risos).
O importante mesmo é que as pessoas gostem do som.

C: Costumas ser um pouco crítico em relação à cena electrónica de Berlim nas entrevistas que dás; essa reprovação vai para os produtores ou para o público?

J: Não é reprovação, porque penso que as pessoas são livres de fazerem o que querem, mas parece-me que o electro em Berlim é visto demasiadamente como algo fashionable, onde todos querem dar a cara. Noto que o público dos concertos está mais interessado em sociabilizar e mostrar-se do que propriamente apreciar o trabalho dos músicos... Cada um faz o melhor se adapta aos seus interesses, mas parece-me que se menospreza um pouco o nosso trabalho.

C: Estás em Lisboa desde o início do Número Festival? Tiveste oportunidade de ouvir os showcases das editoras portuguesas? Qual é o teu conhecimento da cena electrónica portuguesa?

J: Não, infelizmente não tive oportunidade de estar presente desde o princípio; só cheguei a Lisboa hoje... Não conheço nenhum projecto português, vocês têm pouca repercussão lá fora, não sei a que se deve isso... Mas ouvi dizer através do Jonas (Bering) que os showcases portugueses tinham sido bons. A única referência que tenho de Lisboa é o LUX, porque conheço muita gente que já lá esteve e dizem que não é só o som que é excepcional como também o ambiente e o espaço, que dizem ser muito bonito.

C: Tudo o que te disseram é verdade. É, de momento, o expoente máximo da cena musical electrónica em Portugal.
Estavas a dizer que o nosso electro tem pouca repercussão lá fora e que não sabias a razão disso... Eu posso ajudar-te: o electro em Portugal está ainda a dar os primeiros passos, e este Número Festival foi dos primeiros grandes eventos, a par do optimushype@meco, que deu a conhecer ao público as novas tendências da música. Existe uma pequena minoria esclarecida (onde, por pura presunção, gosto de me incluir) que aprecia e segue a evolução do electro, mas no geral, as pessoas ou não conhecem de todo ou não apreciam o género. E são raras as oportunidades de que dispomos aqui para divulgar o material que cá chega... Mas estão a ser dados passos positivos no sentido da continuidade de eventos como este. E vão nascendo ou crescendo editoras e distribuidoras que tipicamente apoiam este tipo de música. Mas no geral ainda estamos muito atrasados em relação ao resto da Europa Ocidental.

J: Não me parece que se possa fazer uma leitura tão pessimista das coisas - o Festival tem casa muito composta, e seria difícil encher um pavilhão destes mesmo em Berlim ou Londres - já estive em eventos grandes como a Ars Electronica e, mesmo não se podendo fazer comparações, o interesse do público foi relativamente semelhante... Claro que é um evento com maior projeçcão internacional, mas você também têm tido bons espectáculos, pelo que sei... Tiveram Herbert cá no Verão, não foi? E agora também esteve cá o meu patrão (Stefan Betke/Pole, dono da editora de Jelinek, a ~scape) em Torres Vedras... (risos)

C: Sim, é verdade que este ano tem sido revolucionário em termos de grandes nomes, e o Número Festival já nos habituou a bons acts em anos anteriores...

J: Eu penso que o electro ainda está pouco divulgado em todo o lado, e os problemas que vocês enfrentam aqui não são diferentes dos que vi em Viena, Tóquio ou Paris, onde o IDM é normalmente relegado para segundo plano em relação a sets de house, ou drum n´bass (nem de propósito, estava a começar o set de 4Hero no auditório principal). E depois também acredito que seja difícil ao público menos conhecedor apreciar à primeira alguns dos sets que aqui passaram, como por exemplo o The Hacker. Ouviste o set dele? Não é que fosse mau, mas aquilo não é para o ouvido de qualquer um... (risos)

C: E isso não te chateia? Não achas que o IDM deveria ter um pouco mais de destaque nos Festivais? O teu nome nem aparece no cartaz do Número...

J: Não aparece? Nem me dei conta... Não me preocupa nada, na realidade até prefiro assim - só vem quem quer vir. Prefiro uma sala com 2 pessoas que apreciem o meu som a um auditório com centenas de desinteressados. O que interessa é entreter. A recompensa é ver as pessoas a apreciarem mesmo o teu trabalho, como foi aqui hoje no Festival.

C: Em relação aos nomes presentes no Número - que pensas da lista de acts escolhidos pela organização?

J: Acho que são muito bons, cobrem muitos vectores da cena musical actual, vieram gajos excelentes como os 4Hero ou o Safety Scissors, ou o meu amigo Jonas Bering... Acho que a selecção é muito boa. Está de parabéns a organização.

C: Fala-me um pouco do teu set...

J: Bom, eu não sou grande live mixer, faço todo o set através do meu laptop (um lindíssimo Powerbook G3), e pauto o set por um estilo mais FARBEN (um outro projecto musical de Jelinek, mais aproximado do típico som "zeitgeist"). Utilizo um vídeo no meu set feito por um grupo de video-art chamado visomat (www.visomat.com), porque é-me muito importante o elemento visual na minha actuação. Acho que não é muito interessante olhar para um gajo a mexer no laptop durante uma hora, tem de haver algo mais que isso.

C: E projectos futuros? Tens algo na manga?

J: Sim, estou neste momento a produzir um álbum para a ~scape. Este álbum vai ter uma toada mais downbeat, e a grande novidade é que vai ser totalmente "cut n' paste", sem samples nem instrumentos.

 



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