Rui Portulez (in jornal Publico/Y Sexta-feira, 18 de Janeiro de 2002)

 

(...) François Kevorkian está de regresso a Portugal para mais uma sessão DJ. Dada a possibilidade de variar nas sessões e renovar o imaginário sonoro da pista de dança, apenas restringida pela criatividade e pelo acervo musical disponível, espera-se, de novo, uma noite intensa, versátil e excitante até à caimbra. O currículo, a reputação e as prestações anteriores do veterano francês radicado em Nova Iorque assim o obrigam.

François Kevorkian mudou-se para a "Grande Maçã" em 1975, depois do curso de Farmácia na universidade de Estrasburgo não ter resistido ao apelo da bateria e dos "gira-discos" da cidade. Uma questão de químicas. No final dos anos 70, no auge da efervescência da cena "gay" dos clubes nova-iorquinos, FK atingiu um novo patamar na arte da manipulação e iniciou-se na minúcia do corte e colagem de versões musicais personalizadas e exclusivas. O bichinho da produção não mais o abandonaria e rapidamente entrou na indústria musical pela porta do A&R (artistas e repertório) da editora Prelude Records. A sua influência na produção da música de dança começou aí e estendeu-se à arte da mistura, sob os auspícios do disco-sound e das influências do dub (sendo Augustus Pablo um dos seus nomes de referência).

O início dos anos 80 foram repartidos entre a actividade de misturador ao serviço da indústria e de DJ ao serviço do povo, em clubes como o Paradise Garage ou o Studio 54. Foram três anos de actividade intensa e de consequente crescimento da necessidade de maior intervenção no produto final. Portanto, resolveu abandonar temporariamente a cena dos clubes nocturnos e experimentar a produção a tempo inteiro. Trabalhou com uma série de artistas da pop, com alguns desvios mais experimentais e dignos de menção na companhia dos Kraftwerk, Jah Wobble ou Thomas Dolby. A década de oitenta chegou ao fim com Kevorkian a inaugurar os seus próprios estúdios de gravação, baptizados com o nome de Axis, e a regressar às raízes do disco-sound, produzindo, entre outras coisas, a diva Loleatta Holloway.

Fazendo o balanço de actividade até então, tendo em conta os melhores dez anos dos últimos quinze, podemos afirmar que o trabalho de FK tinha influenciado decisivamente as matrizes da música house, e, se quiséssemos extrapolar as ambiguidades do tráfico de influências, podíamos delirar mais um bocado e apontar a relação estreita dos Kraftwerk com o aparecimento do hip-hop relacionando este facto com o dedo de Kevorkian no último folêgo de Tour de France. Mas não queremos. Além disso a cronologia não bate certo. A título meramente circunstancial e informativo, podemos acrescentar que foi por esta altura que Dimitri From Paris elegeu FK como uma espécie de mentor e deu os primeiros passos na sua carreira.

Na segunda metade dos anos 90, depois de alguns anos de menor protagonismo enriquecidos com actuações como DJ pelo mundo inteiro e sessões DJ de 10 horas no clube londrino Ministry of Sound, a estrela de Kevorkian voltou a brilhar com intensidade. Primeiro, inaugurando a sua editora Wave Music e lançando o seu primeiro disco de originais, o FK E.P, rapidamente transformado em objecto de culto. Depois, assegurando a residência das tardes de domingo no clube nova-iorquino Body & Soul, fazendo dupla com Joe Claussel e enfatizando a paixão comum pela utilização de instrumentos durante as míticas matinés dançantes. O corolário e o sucesso planetário de François Kevorkian viriam então a ser confirmados por uma série de remisturas certeiras, imbuídas do espírito orgânico e telúrico decorrente do Body & Soul. A revisão de Sangue de Beirona de Cesária Évora serviu de passaporte para o "mainstream", mas a actividade de remisturador continua a dar frutos, uns mais suculentos do que outros, é certo, mas todos eles acima do nível habitual da música destinada ao mero consumo mecânico. Resumindo, exige-se respeito e uma noite de luxo.

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